terça-feira, 27 de setembro de 2011

Campanha: Luta pela Terra e Vida Pataxó Hã-Hã-Hãe

Excelentíssimo Senhor Ministro,

O drama do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe ganhou repercussão nacional e internacional quando, na madrugada do dia 20 de abril de 1997, o índio Galdino Jesus dos Santos, que dormia num ponto de ônibus no centro de Brasília, teve seu corpo incendiado por cinco jovens da classe-média brasiliense. Galdino buscava em Brasília apoio para as reivindicações de recuperação do seu território tradicional, a Terra Indígena Caramuru – Catarina Paraguassú, no sul da Bahia. Galdino é um dos 30 Pataxó Hã-Hã-Hãe assassinados na luta pela retomada de suas terras.

Está próximo a continuidade do julgamento da ACO 312, ação na qual a Funai pede a nulidade dos títulos de propriedade de não-índios sobrepostos à Reserva Indígena, demarcada em 1938. A maioria desses títulos foi concedida pelo estado da Bahia durante a gestão de Antonio Carlos Magalhães, nos anos 70.

Por uma questão de Justiça solicito vossa especial atenção para a efetivação dos direitos do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, garantindo a integridade de suas terras tradicionais e pondo termo ao lamentável histórico de violências e massacres que este povo vem sofrendo desde os primeiros contatos com a sociedade não-indígena. 

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

PRIMAVERA CIDADÃ

Pe. Alfredo J. Gonçalves

Desde o último 7 de setembro, em meio às comemorações do Dia da Independência e às manifestações do Grito dos Excluídos, nos vimos de certa forma surpreendidos com a Marcha contra a Corrupção. Em alguns lugares, os participantes superaram os expectadores dos desfiles e discursos oficiais, misturando-se e rivalizando com a mobilização em torno da 17ª edição do Grito.

É sabido e notório que, de algum tempo para cá, os movimentos e organizações sociais passaram por crises, momento de apatia, perplexidades, encruzilhadas... Mas o terreno, embora movediço, nunca deixou de ser fértil. As Semanas Sociais Brasileiras, o Grito dos Excluídos, a Campanha Jubileu Sul, as várias edições do Fórum Social Mundial, os diversos Plebiscitos, a Consulta e as Assembléias Populares, a Via Campesina, o Grito dos Excluídos, a Campanha da Ficha Limpa... Sempre representaram uma espécie de primavera no outono e inverno da luta popular.

Não seria a Marcha contra a Corrupção mais um desses botões que dão vida nova ao marasmo geral, anunciando o início da primavera? Primavera é tempo de amores, cores, sabores, flores... Rimas que abrem perspectivas inusitadas, horizontes cada vez mais amplos. Vale a pena debruçar-se mais de perto sobre essa mobilização.

Vinho novo

De início, algumas características da Marcha contra a Corrupção. O uso da Internet é notável. Como o subcomandante Marcos, no grupo indígena mexicano, também neste caso a informática representou um meio de chamamento à mobilização. Ou seja, a idéia de vias alternativas à prática da política corrupta pode conviver com a tecnologia de ponta. Alternativa não é sinônimo de artesanato. Convém não esquecer a ambiguidade da técnica. Ela tanto pode alienar como levar a um engajamento libertador. No curso da história, por exemplo, é fácil reconhecer um grande paradoxo da tecnologia mais avançada. De fato, ela se encontra hoje nos meios mais sofisticados de cura medicinal e, simultaneamente, nas máquinas de guerra mais letais ou nos instrumentos mais devastadores da natureza. Isto não quer dizer que a tecnologia é neutra. Mas seu uso pode ser orientado para pavimentar a estrada de uma civilização do "bem viver”.
Outra característica da Marcha contra a Corrupção está na quantidade de pessoas que aderem às manifestações. Fiquemos com um exemplo apenas, mas significativo por tratar-se da capital federal. De fato, em Brasília, foi menor o número dos que a partir das arquibancadas se contentaram com um patriotismo passivo, aplaudindo os festejos oficiais, do que as pessoas que resolveram descer ao gramado e jogar o jogo, mostrando um patriotismo combativo frente a corrupção endêmica. Num tempo de "vacas magras” em termos de mobilização, não é fácil levar às ruas e praças tantas centenas ou milhares de pessoas. Vem à tona, quase espontaneamente, o movimento e o entusiasmo dos "caras pintadas”, por ocasião do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo. Aliás, também aqui houve quem saísse de cara pintada.

Novo botão da primavera cidadã, a Marcha tem uma função dupla: por um lado, expõe à luz do sol aquilo que se passa nos corredores obscuros de uma prática política histórica e estruturalmente viciada. Revela os vícios e vírus de nossa "rex publica”. Por outro lado, levanta a bandeira de uma nova visão nacional quanto ao uso correto do erário público. Ela é sintoma de um olhar mais aberto e agudo sobre as ações políticas e, ao mesmo tempo, chama a uma tomada de consciência crescente. Numa palavra, tende a ser positivamente contagiosa. Vinho novo que borbulha e gera uma espuma que pode movimentar as águas paradas.

Perguntas sem resposta

Mas a Marcha contra a Corrupção exerce um papel fundamental. Papel que o sensacionalismo e a espetacularização midiática costumam deixar a meio caminho. Ela põe em pauta uma série de interrogações que, sistematicamente, ficam sem resposta. Ultimamente, temos assistindo a um crescente número de "operações” da Polícia Federal, da Promotoria ou do Ministério Públicos. Operações que se caracterizam por seus nomes exóticos e pelos milhões ou bilhões de reais desviados do orçamento da União, dos Estados ou dos Municípios.

Perguntas que não querem calar: para onde vão esses milhões e bilhões de reais? São bloqueados, confiscados e retornam aos cofres públicos? Ou permanecem ocultos nos mais diversos paraísos fiscais? E quanto aos crimes de formação de quadrilha, prevaricação, fraudes, desvio e apropriação indevida de recursos públicos, nepotismo, tráfico de influência... Quais as penas? Como e onde são cumpridas? Até que ponto a "faxina” da presidente Dilma Rousseff desce aos porões sujos e sórdidos das "maracutaias” tecidas por seus subordinados de primeiro, segundo e terceiro escalões?

Tudo indica que, ao contrário de punição, recebem prêmios. Tais criminosos, não raro, são coroados como uma nova promoção ou eleição. Voltam de cabeça erguida aos postos ocupados anteriormente. Silêncio total sobre o passado, nenhum constrangimento quanto ao presente, felizes perspectivas para o futuro. Enquanto a corrupção é premiada diante dos microfones, câmeras e holofotes, a ética põe o rabo entre as pernas e se encolhe com vergonha de fazer da política um meio de buscar o bem-estar social. A astúcia e a esperteza tomam o lugar da justiça e do direito. Os privilégios das velhas oligarquias permanecem intocáveis, enquanto os serviços públicos, particularmente à população de baixa renda, se notabilizam pela precariedade.

Resta ainda a pergunta sobre o destino dado à Lei da Ficha Limpa. Tem-se a impressão que a ficha suja se sobrepôs a todo o esforço dos cidadãos e que, cada político a seu modo, trata de limpar o próprio passado de corrupção e má administração. Com unhas e dentes afiados e com os advogados mais influentes, tratam de se manter na cadeira cativa do poder. O poder abre portas para ampliação da riqueza e esta, por sua vez, paga o preço de um mandato que se perpetua eleição após eleição.

Epidemia e vacina

Se é verdade que a Marcha contra a Corrupção amplia a aurora da primavera, o faz na medida em que brota de um inverno tenebroso. Inverno em que uma das maiores cargas tributários do mundo alimenta a corrupção endêmica. E esta, através de acordos e leis espúrias, retroalimenta a cobrança de impostos. Fecha-se assim um círculo de aço sobre os ombros da população. Vira e mexe, vem à pauta da Câmara de do Senado a recriação da famigerada CPMF. O pretexto é a saúde pública. Mas quem diz que esta estava às mil maravilhas nos tempos dessa extorsão pública disfarçada de imposto?

A fome da arrecadação parece insaciável. Medida pelo impostômetro, ela desnuda a fome das classes dominantes em manter privilégios que datam dos tempos da Colônia e do Império. A República e a Constituição, com o regime pretensamente democrático, não passam de um arcabouço legal para legitimar o espólio dos grandes sobre os pequenos. Pior é que entre os três poderes da União – Executivo, Legislativo e Judiciário – três "Cs” comandam as regras do cenário: cumplicidade, conluio e corporativismo... Os quais deságuam no rio turvo e turbulento de outro "C”, justamente a corrupção. Nessas águas navegam uma grande parte dos vereadores, deputados, senadores, ministros, juízes, representantes dos altos escalões, para não falar dos cargos majoritários.

O projeto de poder se sobrepõe ao projeto de nação. A promiscuidade é a moeda corrente. Salvo raras e louváveis exceções, cada político ou tecnocrata está disposto a encobrir os pecados do companheiro para cobrir os próprios. Como também está disposto e "fritar ou linchar” um comparsa para salvar a pele e o cargo. Quanto ao povo, vale enquanto massa de eleitores, não enquanto cidadãos de direitos. Daí a necessidade de manter e ampliar as políticas compensatórias (ou migalhas), especialmente às vésperas do pleito eleitoral e sob o pano de fundo da retórica e dos aplausos.

Há vacina contra essa epidemia? As iniciativas elencadas na introdução dizem que sim. O segredo está numa participação popular livre e ampliada. O que exige criação de instrumentos, mecanismos e canais de controle por parte da população e das instituições sociais. Controle das decisões políticas e do orçamento correspondente. Exemplos disso são os Conselhos de Saúde, Educação, Segurança, etc., quando escolhidos democraticamente e não manipulados pelo prefeito e seus apaniguados. Numa palavra, formas de uma democracia crescentemente participativa e mais direta, fortalecimento da sociedade civil.

Neste sentido, a Lei da Ficha Limpa não deixa de ser um antídoto ao vírus da corrupção. Mas o remédio pode ficar escondido no fundo das gavetas dos órgãos públicos ou, pior ainda, ser manipulado e distorcido, quando não banido das "farmácias”. Outro antídoto primaveril, sem dúvida, é a Marcha contra a Corrupção.


Pe. Alfredinho é assesor das Pastorais Sociais


Fonte: Adital

terça-feira, 20 de setembro de 2011

ÉTICA E POLÍTICA

Marilena Chauí


A Política foi uma coisa inventada pelos gregos. Isto não quer dizer que antes dos gregos, antes dos romanos não houvesse o exercício do poder, não houvesse governo, não houvesse autoridade. Claro que havia, nos grandes impérios que existiram antes e depois do mundo grego e do mundo romano. Mas qual era a marca do poder nestes grandes impérios antigos. A marca era a identidade entre o poder e a figura do governante. O governante era a encarnação do poder. Como pessoa encarnava nele a autoridade inteira, o poder inteiro. Ele era o autor da lei, o autor da recompensa, o autor do castigo, o autor da justiça. Ou seja, a vontade do governante, a vontade pessoal, individual dele era a única lei existente. O que nós podemos dizer não é que não houvesse o poder, a autoridade antes dos gregos e dos romanos. Pelo contrário, a imensidão dos grandes impérios antigos mostra que o poder estava lá. Qual é a diferença entretanto dos gregos e romanos face a estes grandes impérios, a este grande poder que havia na antigüidade? Antes dos gregos e dos romanos, a característica do poder era a identificação entre o ocupante do poder e o próprio poder. Ou seja, o governante era o próprio poder. Isto quer dizer uma coisa muito simples: a vontade do governante, a sua vontade privada, pessoal, sua vontade arbitrária, caprichosa, o que lhe desse na telha, era a lei. E era ela o critério para a guerra, para a paz, para a vida, para a morte, para a justiça, para a injustiça. Que fizeram os gregos e os romanos?

Eles inventaram a Política.

Ou seja, eles criaram a idéia de um espaço onde o poder existe através das leis. As leis não se identificam com a vontade dos governantes, elas exprimem uma vontade coletiva. Essa vontade coletiva se exprimia em público, nas assembléias, através da deliberação, da discussão e do voto. Ou seja, os gregos e os romanos submeteram o poder a um conjunto de instituições e a um conjunto de práticas que fizeram dele algo público, que concernia à totalidade dos cidadãos, e que era discutida, deliberada e votada por eles. E, portanto, eles criaram a esfera pública. Aquilo que nós chamamos de esfera pública. Ou seja, ninguém se identifica com o poder, a vontade de ninguém é lei, e portanto a autoridade é coletiva, pública, é aquilo que constitui o cidadão. Os gregos puderam e depois deles os romanos distinguir com muita clareza a autoridade política ou autoridade pública e a autoridade privada. Não por acaso a autoridade privada tem um nome muito especial. Em grego o chefe de família, que é aquele que detém a autoridade do espaço privado (e detém esta autoridade exclusivamente por sua vontade - a vontade dele é a lei), o chefe de família se chama “despotes”. E é porque a autoridade privada do espaço privada da família é a autoridade do “despotes” (a autoridade absoluta de vida e morte sobre todos os membros da família), é que a autoridade no espaço privado se chama despótica. E os gregos diziam: quando a autoridade for despótica, o espaço público foi tomado pelo espaço privado e a Política acabou. A condição da Política é que não haja despotismo.

Cristianismo: público x privado

O cristianismo vai criar um problema no campo da Política. Por que? Porque se para os antigos era no espaço público que a Ética melhor se realizava, no momento em que com o Cristianismo o espaço público é recusado em nome do espaço privado, do recinto, do coração e da consciência, o que acontece? O que acontece no momento em que surgem as autoridades cristãs? Ou seja, como é que vai haver um espaço público cristão? Já que a autoridade e a Ética são pensadas de maneira privada? Ou seja, Deus é o Pai, Deus é o Senhor, os cristãos são a sua família. Ele é o pastor de um só rebanho. Todas as metáforas e todas as palavras que indicam a autoridade no mundo cristão pertencem ao espaço privado: é o pai, é o senhor, é o pastor, o rebanho. Como é que isto vai se constituir como um espaço público? Não há como constituir como espaço público. Nós poderíamos ir enumerando uma série de características do poder medieval e portanto do poder cristão ou daquilo que agente pode chamar o poder teológico-político pelo qual o governante é uma figura privada. O espaço do poder é um espaço privado. E a Ética é a Ética da pessoa do governante. É ele que tem que ser educado para as virtudes. É ele que não pode ter vícios. É ele que tem que cumprir o dever porque das qualidades dele dependem as virtudes ou os vícios, a felicidade ou a corrupção do rei. Não existe portanto a esfera Política propriamente dita. Existe a esfera do poder mas não a esfera da Política.

Modernidade, Ética e Política

É esta esfera que a modernidade vai constituir. A partir da queda do antigo regime, da queda das monarquias por direito divino, da desmontagem do poder teológico-político e do ressurgimento da idéia de República, (primeiro a República oligárquica, depois a República representativa, depois a República Democrática), é que se reconfigura o campo público, da Política. Como o poder estava marcado pela Ética da esfera privada, como o poder estava marcado pela idéia de que o governante é que tinha que ser virtuoso, o que acontece com os pensadores que vão criar a nova idéia de Política, que vão dizer que existe sim a “res publica”(coisa pública, o espaço público)?. O que é que eles vão fazer?

Eles vão dizer que o espaço público, a “res publica”, o poder político, não pode ser regido pelos valores do espaço privado. Portanto pelos valores da Ética. Pelos valores da virtude. E eles vão separar, e esta grande separação é feita por Maquiavel, eles vão separar o público e o privado dizendo que o privado é campo da Ética, o público é o campo da Política. E a Política e a Ética não tem mais nada em comum. O que vai ser dito é que o campo da política não é regido pelas virtudes do governante.

O campo da Política é regido por uma lógica que é a lógica das relações de força. E para que o campo da Política não seja o campo da violência e da guerra é preciso lidar com esse campo de forças, e portanto com os conflitos, com as divisões que caracterizam a sociedade, com essas diferenças, de um modo tal que a Política não seja a guerra. Que a Política não seja a pura força, a pura violência, mas que ela tenha uma lógica das forças que é encarnada no poder político como um polo que simboliza para o todo da sociedade uma unidade que ela própria não tem. E que se realiza através das instituições e através da lei. E portanto o importante é a qualidade da lei e a qualidade das instituições, a qualidade do direito e da justiça, a qualidade das decisões. E não mais se a pessoa ou as pessoas que ocupam o campo político são ou não virtuosas. E a virtude e portanto com ela a Ética se tornam uma coisa própria da vida privada.

Sociedade Civil e Estado

A esfera da sociedade civil que é onde os indivíduos existem, é a esfera da vida privada. Ora, se a sociedade civil é a esfera da vida privada como é que o Estado se constitui como esfera pública. Se o Estado surge a partir da sociedade Civil para regulamentar a Sociedade Civil e comandá-la? Ou seja, a base do Estado são as relações privadas do mercado, baseadas, por exemplo, na lógica da competição.

Então o que se quer dizer é o seguinte: a sociedade moderna ao criar a Sociedade Civil como o mercado dos contratos doe trabalho, da produção de mercadorias e da acumulação do capital, e da propriedade privada, faz com que a esfera pública, que é uma esfera social, seja uma esfera privada. A esfera dos proprietários privados. E portanto nós não sabemos onde o Estado vai nascer para ser propriamente esfera pública.

Assim a separação que dizia: na esfera pública eu tenho a lógica Política e na esfera privada eu tenho a lógica Ética, se complica. Porque eu tenho aí uma esfera que é pública, que é a esfera social, na qual os elementos da vida privada estão presentes.

Nós podemos dizer que há dois motivos principais para essa enorme dificuldade que existe no nosso mundo contemporâneo para separar o público do privado e deixar a Ética em um dos lugares e a Política em outro.

Ética, Política, Liberdade, Igualdade

A primeira dificuldade é a seguinte: o homem, os seres humanos, são diferentes de todas as outras coisas que existem. Que diferença é esta? Todas as coisas que existem estão submetidas às leis necessárias da natureza. A natureza é um enorme sistema de causas e efeitos. Aquilo que a gente chama de Determinismo. Na natureza tudo tem causa, tudo produz um efeito, e a relação entre a causa e o efeito é uma relação necessária. Na natureza não existe acaso. Na natureza não existe jogo. Na natureza não existe Liberdade.

Ao contrário, a marca dos seres humanos é a Liberdade. Os seres humanos não pensam, não agem segundo relações de causa e efeito. Eles agem por escolha. Por deliberação. Por decisão. Eles agem por Liberdade. Eles agem escolhendo os Fins. Fins das ações que eles realizam. Eles agem escolhendo os Fins das ações que eles realizam, das práticas que eles tem, dos comportamentos que eles tem.

E portanto o reino humano ou a esfera humana é diferente do resto da natureza. Esta separação entre a natureza e os humanos se deu a partir de um critério que é fundamental na Ética: que é a liberdade, e a Finalidade. Se a Política vai operar com o critério da Liberdade, da Justiça, das Finalidades Humanas, então há na raiz da Política um valor que é ético. Este valor pode ser chamado de liberdade. Pode ser chamado de Justiça, ele pode ser chamado de responsabilidade. Mas este valor é ético. Então ao mesmo tempo em que há todo este trabalho para separar a Ética e a Política, há toda uma elaboração teórica de separação entre o homem e a natureza que coloca para a Ética e para a Política os mesmos fundamentos. Ou seja elas estão baseadas, as duas, nas mesmas coisas. Elas estão baseadas na Liberdade, na Finalidade, na Temporalidade Humana, no fato de o homem ser um Ser Cultural. Então, a Política vai ter que se dar no interior deste campo comum, que é o campo da cultura, o campo da história, o campo da civilização. Essa é a primeira dificuldade para separar Ética e Política já que elas possuem o mesmo fundamento.

Só que o aparecimento deste fundamento comum entre a Ética e a Política que é a Liberdade vai ao mesmo tempo introduzir um complicador. Que vai explicar afinal porque é tão difícil esta relação entre a Ética e a Política. E este complicador é um complicador para a Ética, para a Política, e para relação entre elas. Que complicador é este?

É o seguinte: ao afirmar que todos os homens, todos os seres humanos são livres é afirmado simultaneamente que por causa disto todos eles são iguais. A igualdade deles é a liberdade. Mas de fato, na prática, esta igualdade não existe muito. Pelo contrário, a sociedade é feita por uma divisão social entre os desiguais. E esta desigualdade, ferindo portanto a liberdade, ferindo aquilo que seria a igualdade, introduz para a Ética e para a Política o problema da Violência. Ou seja a desigualdade real faz com que falar da liberdade como o critério da vida Ética torna a Ética uma coisa irreal porque a igualdade pela qual ela poderia funcionar não existe e torna a Política incapaz também de realizar a liberdade.

(chamo de Violência todo ato pelo qual um ser humano é tratado desprovido de sua humanidade e é tratado como se ele fosse uma coisa). E é assim que nós podemos dizer que há pelo imenso três critérios pelos quais nós podemos dizer que a Ética e a Política se relacionam uma sendo subsídio para a realização da outra.

Primeiro critério: a relação entre meios e fins na Ética é uma relação na qual não há exercício da violência. Que é a violência? É tratar um ser humano como se ele fosse uma coisa. Como se ele fosse um objeto. Tratar um ser humano como um sujeito e não como um objeto é tratá-lo eticamente. Se a Política na esfera pública for capaz de tratar os fins políticos através de meios não violentos, não tratando os seres humanos como coisa nós temos uma Política Ética.

Segundo critério - embora a Ética se realize no campo da vida privada, o que a Ética busca nesta esfera que lhe é própria é a idéia de que nenhuma autoridade é legítima se ela for despótica, se ela for arbitrária, se ela se realizar como expressão da vontade individual, injustificada de alguém. Neste caso é a Política que vai ajudar a Ética na medida em que o próprio da esfera pública é afastar a autoridade despótica, isto é, aquela autoridade que se exerce como uma vontade pessoal, individual, arbitrária, acima de todas as outras. Assim agora a relação vem da Política para a Ética em que a Ética auxilia na luta contra as formas arbitrárias de autoridade no interior da vida privada. Isto significa, por exemplo, que a posição do pai, da mãe, do avô, da avó, do patrão, do chefe, não é tão simples. Não basta a vontade deles para que a autoridade deles seja eticamente legítima. A Política nos ajuda portanto a melhorar a própria Ética.

Terceiro critério: é o critério que pode valer para a Ética e para a Política que é a redefinição da idéia de liberdade. Em vez de pensarmos a liberdade como o direito de escolha vale a pena pensar a liberdade como o poder de criar o possível. Ou seja, a liberdade é esta capacidade dos seres humanos de fazer existir o que não existia. De inventar o possível. De inventar o novo. E se a liberdade for pensada desta maneira, a relação entre a Ética e a Política pode se dar como criação histórica na esfera privada e na esfera pública. Estou convencida de que há uma única forma da Política compatível com a Ética e uma única modalidade da Ética compatível com a Política. Essa forma Política é a democracia. E esta forma Ética é a liberdade através dos direitos. Então como a democracia é o campo da criação dos direitos e como a Ética é a afirmação de direitos através do direito fundamental que é o direito à vida e à liberdade, a compatibilidade entre a Ética e a Política só pode ocorrer quando o campo da Política permite o tratamento dos conflitos e quando o campo da Ética permite a divulgação dos seus princípios.

Então eu diria que é a possibilidade de dar à Ética um conteúdo público e de dar à Política um conteúdo moral que ocorre na democracia. Acho que não foi por acaso, indo lá no meu ponto de partida, não foi por acaso que os inventores da Política, os gregos, considerassem que era só na Política que a Ética se realizava e por Política eles entendiam a democracia como igualdade perante a lei, (a isonomia). E o direito a expor, a discutir e votar a opinião em púbico que é a isegoria.

Então se nós considerarmos que o campo da Ética é o campo da liberdade e o campo da Política é também o campo da liberdade, só uma forma Política na qual esse princípio possa se realizar é que torna viável uma relação entre a Ética e a Política. O que significa que o ideal ético da visibilidade só pode se realizar na prática Política da democracia, e vice-versa. Evidentemente isto seria um ponto de partida. Isto não é uma conclusão. Pelo contrário se assim for nós precisaremos começar tudo de novo. Pois nós temos que recomeçar a discutir a desigualdade, a violência, a mentira, a corrupção, a privatização e a oficialização estatal de nossas vidas.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Povos Indígenas - Feridos de Morte


O texto de Marina Silva, publicado no jornal Folha de São Paulo, em 16/setembro/2011, no endereço: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1609201106.htm. Onde ela escreve todas as sextas feiras. Nos dá a clara postura do governo brasileiro em relação aos povos indígena. O texto faz referência a um povo em especial, mas em nada diferencia da relação do governo com o restante dos povos indígenas no Brasil.




Feridos de morte
Marina da Silva


Ônibus escolar lotado de crianças e adolescentes é atacado com coquetel molotov.

Idoso de 72 anos morre após receber golpes na cabeça e os agressores são absolvidos de homicídio. Criança de 9 anos comete suicídio. Outra, de apenas três, morre em consequência de desnutrição -no país que é um dos celeiros do mundo- e a atenção médica só chega na hora da morte.

Homens armados atacam 125 famílias, queimam suas casas feitas de lona e ferem-nos gravemente. Este último caso, longe de ser o primeiro, mas ocorrido no início deste mês, está sendo tratado pelo Ministério Público Federal como um genocídio.

Tudo isso aconteceu num único Estado, Mato Grosso do Sul. E todas as vítimas da violência foram índios da etnia guarani-kaiowá.

Eis a terrível rotina de desespero e impotência sofrida por essa população, em total abandono em pleno coração do Brasil. Se fatos como os relatados tivessem acontecido com não índios, provocariam comoção nacional, chegariam ao Congresso e gerariam algum plano governamental de urgência. Mas as vítimas em questão não têm vez nem voz, não geram muitos votos.

São só índios, como muitos brasileiros ainda os veem.

Suas desgraças chegaram a virar notícia em alguns jornais. Mas logo foram esquecidas.

A trágica realidade dos guarani-kaiowá tem piorado, até porque é tratada com incrível distanciamento pelos governos e pela sociedade. Centenas vivem em verdadeiros campos de refugiados, em reservas pequenas demais para o tamanho de sua população.

Outras centenas, entre as cercas das fazendas e à beira das estradas, vistos como resquícios indesejados de um Brasil do passado. São tratados como estrangeiros, num verdadeiro apartheid social.

Relatório da Survival Internacional para o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial da ONU 2010, com dados de 2005, aponta que 90% deles sobrevivem com cestas básicas. A expectativa de vida é de cerca de 45 anos e o índice de suicício entre eles é 19 vezes mais alto que o nacional.

Os indígenas não estão sendo beneficiados pelo impressionante desenvolvimento do país. A eles deve ser estendido o mesmo empenho que retirou tantos milhões de brasileiros da miséria. E como?

Fazendo-os abandonar sua condição de indígenas? Não. Provendo-lhes terras e condições para suprir sua própria cultura e existência. Terras, há. Riqueza, também. Governo suficientemente capaz, também. O que falta? Empenho? Convicção?

Falta sentido de urgência, compromisso ético e político para estender a eles os clamores por direitos humanos? Ficará vivo algum dos guarani-kaiowá para testemunhar o Brasil potência que se erguerá sobre o fim do seu mundo?




segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Reforma Politica - é preciso mobilizar a sociedade

Mas uma vez a sociedade brasileira precisa se manifestar, agora sobre a Proposta do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral - MCCE e da Plataforma pela Reforma do Sistema Político a mais um projeto de iniciativa popular, semelhante ao da Ficha Limpa. A ideia é debater a reforma do sistema político com a população, para que em 2014 as eleições contem com nova regulamentação.

Não creio que desta vez seja diferente. A única possibilidade de mudanças é uma participação maior da sociedade, através de distintas organizações. Nesse sentido é importante destacar a iniciativa de cerca de 60 entidades, como a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, OAB, ABI, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), entre outras, que em agosto de 2011, iniciaram uma campanha de coleta de assinaturas para a apresentação de uma proposta de iniciativa popular para promover a reforma política.

Para que a proposição inicie a tramitação é necessário ao menos um milhão de assinaturas em pelo menos cinco estados, de maneira que 1% do eleitorado nacional (com a exigência de 0,3% dos eleitores de cada estado), no mínimo, dele participe. É um enorme desafio, mas, como exemplificou a Lei da Ficha Limpa, possível e apresenta propostas inovadoras como à criação do "veto popular", por meio do qual se poderia contestar uma lei aprovada no Congresso (submetido a referendo); fim das votações secretas no Poder Legislativo e a imunidade parlamentar (exceção dos casos de liberdade de manifestação ideológica ou pronunciamento de denúncia), assim como o foro privilegiado (julgamento apenas no Supremo Tribunal Federal) resguardado os casos em que o julgamento se restrinja ao exercício do mandato ou do cargo.

Para a Plataforma dos Movimentos Sociais a questão não se restringe apenas a reforma no sistema eleitoral, mas fundamentalmente o do aperfeiçoamento da democracia representativa. O objetivo é o do fortalecimento da democracia direta, com propostas para que o povo decida através de plebiscito, referendo e iniciativa popular, a democratização da informação e da comunicação e o que chama de "democratização e transparência do Poder Judiciário".

Embora seja fundamental a participação da sociedade civil, é importante destacar que há no congresso, embora em minoria, parlamentares favoráveis a uma ampla reforma política, como os que integram a Frente Parlamentar Mista para Reforma Política com Participação Popular. Presidida por Luiza Erundina (PSB/SP) foi criada em 2007, e ao longo dos últimos quatro anos, contribuiu para que houvesse debates no parlamento, discussão e apresentação de propostas de entidades da sociedade civil, contribuindo inclusive para a aprovação da Lei da Ficha Limpa. No entanto, não conseguiu ter uma atuação permanente, tanto é assim que no dia 23 de março de2011 aFrente Parlamentar foi reinstaurada com solenidade no Congresso e a partir de então tem procurado, dentro de suas possibilidades, aprovar propostas importantes para uma ampla reforma política, encaminhando propostas às comissões, mas, minoritária, não tem conseguido e nem vai conseguir aprovar uma ampla e necessária reforma política, daí a importância fundamental da participação da sociedade. Sem isso, a depender apenas de uma minoria no Congresso, não haverá reforma política nenhuma.


Clique aqui e veja a proposta de inciativa popular.

Assine a petição popular

Proposta de Iniciativa popular para a reforma do sistema político brasileiro

Proposta apresentada pela:
Plataforma pela Reforma do Sistema Político e Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral

I. Introdução

Desde 2004 várias organizações/movimentos da sociedade civil brasileira discutem o tema da Reforma do Sistema Político. Num primeiro momento, ampliamos o conceito da chamada reforma política, que muitos entendem ser somente a reforma das regras eleitorais, para reforma do sistema político que inclui uma nova forma de se pensar e fazer política, do exercício do poder e de quem exerce este poder.

Neste sentido é fundamental que uma reforma do sistema político comece com o fortalecimento da soberania popular, dos instrumentos do exercício do poder e de seu controle, assim como das normas que regulamentam os processos eleitorais e da representação.

Ao longo do tempo produzimos o consenso de encaminhar a reforma por iniciativa popular estruturada em três grandes eixos que se interligam. Os eixos são:

• Fortalecimento da democracia direta
• Reforma do Sistema Eleitoral
• Controle social do processo eleitoral

Não estamos com isso abrindo mão da necessidade do fortalecimento da democracia participativa/deliberativa; da democratização da informação e da comunicação e da transparência e democratização do Poder Judiciário.

Estes eixos completam o que chamamos de reforma do sistema político e serão encaminhados com outras estratégias.

O presente texto tem como objetivo apresentar as nossas propostas para Iniciativa Popular da Reforma do Sistema Político, que foram construídas ao longo dos anos e com as contribuições recebidas no primeiro trimestre de 2011 via texto consulta amplamente divulgado.

II - Propostas para o fortalecimento da democracia direta

O nosso sistema político é todo centrado na representação, isto é, a população é chamada para eleger seus representantes, via processos eleitorais, e após isso o/a eleito/a tem amplos poderes para decidir sobre todos os temas sem necessidade de nenhuma consulta a população.

Entendemos que a representação não pode ser esta "procuração que o/a eleitor/a assina em branco” quando vota. Assim, propomos que determinados temas não possam ser decididos pelos eleitos sem a participação da população via instrumentos de democracia direta, como o plebiscitos e referendos.

Para isso precisamos de uma nova regulamentação das formas de manifestação da soberania popular expressas na Constituição Federal (plebiscito, referendo e iniciativa popular). A atual regulamentação (Lei nº 9.709/98) precisa ser revogada pois, não só restringe a participação, como a dificulta. Um exemplo desta distorção é o número de assinaturas necessárias para a iniciativa popular, hoje em torno de um milhão em meio.

Para criar um partido político são necessários menos de 500 mil filiados, isto é, daria para criar três partidos políticos com o número de assinaturas da iniciativa popular e quando a iniciativa popular chega no Parlamento não se tem nenhum rito de tramitação diferente dos demais projetos de leis.

É necessário criar a equidade nas disputas políticas que se fazem via mecanismos de democracia direta (plebiscitos, referendos e iniciativa popular), por isso, é necessário o financiamento público exclusivo para os plebiscitos e referendos, assim como a garantia, quando da realização dos plebiscitos e referendos, que a sociedade esteja a frente das campanhas e não os partidos como tem sido.

No caso das iniciativas populares é necessário que sejam realmente fruto de organização popular e não do poder econômico, por isso a proibição do uso de qualquer recurso público ou de empresas.


PROPOSTAS:

Defendemos uma nova regulamentação do art. 14 da Constituição Federal com a seguinte concepção:

a) Convocação obrigatória de plebiscitos ou referendos para os seguintes temas nacionais:

I - a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Estados ou Municípios, bem como a criação de Territórios Federais, a sua transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem. No caso de municípios todo o estado deve votar e no caso dos estados todo o país;

II - acordos de livre comércio firmados com blocos econômicos e acordos com instituições multilaterais de financiamento (FMI, Banco Mundial e BID);

III - a concessão de serviços públicos essenciais, em qualquer de suas modalidades, bem como a alienação de controle e abertura de capitais de empresas estatais;

IV - a mudança de qualificação dos bens públicos de uso comum do povo e dos de uso especial;

V - a alienação, pela União Federal, de jazidas, em lavra ou não, de minerais e dos potenciais de energia hidráulica, assim como de petróleo;

VI - aumento dos salários e benefícios dos parlamentares, ministros de Estado, Presidente da República e dos ministros do Supremo Tribunal Federal;

VII - mudanças em leis de iniciativa popular;

VIII - mudanças constitucionais;

IX - limite de propriedade da terra, tanto urbana quanto rural;

X - projetos de desenvolvimento com impactos sociais e ambientais que envolvam três ou mais estados da federação.

a.1. Impossibilidade de realizar plebiscitos, referendos ou iniciativas populares que reduzam ou extingam direitos definidos nas cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição.

a.2. No referendo, o povo aprova ou rejeita, soberanamente, no todo ou em parte, o texto de emendas constitucionais, leis ou atos normativos baixados pelo Poder Executivo.

b) Simplificação do processo da Iniciativa Popular

Permitir que a coleta de assinaturas seja feita por formulário impresso, uso de urnas eletrônicas e assinatura digital pela Internet.

Exigir dos subscritores apenas a indicação de nome completo, data de nascimento e município e estado em que vota.

A aceitação de qualquer documento expedido por órgão público oficial como comprovante para assinatura de adesão a propostas de iniciativa popular.

O número de eleitores/as necessários para a iniciativa popular ser de 0,3% dos/as eleitores/as.

A Justiça Eleitoral fica responsável pela conferência das assinaturas.

c) Ampliação de matérias que as iniciativas populares podem tratar

A população deve ter o direito e o poder, por meio de iniciativa popular, de convocar plebiscitos e referendos sobre qualquer tema, assim como o de apresentar propostas de emendas constitucionais.

d) Precedência de votação no legislativo dos projetos de iniciativa popular:

Os projetos de iniciativa popular devem ter precedência na tramitação e sempre em caráter de urgência. Uma lei de Iniciativa Popular só pode ser mudada por referendo.

e) Participação da sociedade no processo de organização das campanhas e dos debates que precedem a votação (propaganda na TV e rádio)

As campanhas dos plebiscitos e referendos devem ter participação, na sua coordenação, das organizações da sociedade civil em pé de igualdade aos partidos ou frentes parlamentares.

f) Financiamento público exclusivo para as campanhas dos referendos e plebiscitos:

Financiamento público exclusivo para as campanhas de plebiscitos e referendos. O financiamento público exclusivo pode garantir uma certa igualdade nas disputas e deve ser destinado aos debates, matérias de informações e formação e para as campanhas de rádio e TV. Todas as doações privadas devem ser proibidas e punidas.

g) Proibição de financiamento público e de empresas para iniciativas populares:

Proibição de recursos públicos, de empresas públicas e privadas no processo da iniciativa popular e quando da apresentação da proposta ao Congresso Nacional, que tenha um anexo com a prestação de contas de todo o processo de construção da iniciativa popular e de seu financiamento.

III - Reforma do Sistema Eleitoral, mecanismos de controle da representação e democratização dos partidos

Todo processo democrático pressupõe mecanismos de representação e o controle sobre esta representação. O que temos hoje no Brasil é o poder absoluto da representação sobre as demais formas democráticas de participação política. Além disso, temos uma desigualdade enorme no acesso aos recursos para as disputas eleitorais e a não representação de amplos setores da sociedade nos espaços de poder oriundos da representação. No processo da representação é fundamental o fortalecimento dos partidos políticos. Este fortalecimento passa necessariamente pelo reconhecimento da população da importância dos partidos nos processos democráticos. Para isso os partidos precisam ser espaços de debate político, democráticos, transparentes e representantes de segmentos da sociedade.

Partido não pode ter dono e deve ter regras de convivência e respeito às diversas posições de seus filiados. Os partidos devem ser dirigidos pelo conjunto de seus filiados e não apenas pelos seus "dirigentes”, afastando os/as filiados/as das principais decisões.

Propostas:

a) Fim das votações secretas nos legislativos;

b) Fim da Imunidade parlamentar, a não ser exclusivamente no direito de opinião e denúncia;

c) Fim do 14º e 15º salários para os parlamentares;

d) Entender como quebra do decoro parlamentar atos praticados ao longo da vida do eleito(a) e que não seja de conhecimento público.

e) Inclusão nas comissões de ética dos legislativos de representantes da sociedade civil, escolhidos pela própria sociedade;

f) Recesso parlamentar de um mês, como os demais trabalhadores;

g) Fim do foro privilegiado, exceto nos casos em que a apuração refere-se ao estrito exercício do mandato ou do cargo;

h) Implantação da Fidelidade Partidária programática.

Os mandatos de cargos eletivos não são propriedade particular de cada eleita/o, mas sim da cidadania. Portanto, a vontade popular, expressa pelo voto, tem de ser respeitada e não pode ser infringida. Por essa razão, defendemos a implantação da fidelidade partidária.

Reivindicamos que a troca de partido, sem motivação programática, redunde em perda automática do mandato da/o eleita/o. Para poder disputar qualquer eleição por outro partido, deve ser exigido o prazo de quatro anos de filiação no novo partido do/a candidato/a que tenha anteriormente perdido mandato por infidelidade partidária.

Vale ressaltar que a fidelidade partidária precisa ser acompanhada de outras medidas,tais como definição programática dos partidos, financiamento público exclusivo de campanha, democratização dos partidos, para que o/a eleito/a não fique refém do grupo político que detém a máquina partidária, garantia do direito às minorias e às dissidências dentro dos partidos e também garantia de saída de um partido para criação de outro.

i) Financiamento democrático do processo eleitoral

O financiamento democrático é fundamental para combater a privatização e mercantilização da política, a corrupção eleitoral, o poder dos grupos econômicos nos processos eleitorais e favorecer a participação política de segmentos socialmente excluídos, como mulheres, afro-descendentes, indígenas, LGBT e jovens, entre tantos outros, no acesso à representação política.

Defendemos o financiamento das campanhas eleitorais exclusivamente com recursos públicos. Doações de pessoas físicas e empresas são proibidas e sujeitas à punição tanto para o partido que receber quanto para quem doar.

O não respeito a esta norma pode ocasionar desde o cancelamento ou suspensão temporária de registro do partido e do repasse do fundo partidário, à não diplomação ou cassação dos eleitos pelo partido infrator (de toda a lista).

No caso dos doadores, proibição de estabelecer, por 10 anos, qualquer relação financeira/comercial com a União, Estados e Municípios, suas empresas, sejam estatais ou de economia mista e autarquias. A multa correspondente a 30% do valor do maior contrato (uma pessoa jurídica pode ter vários contratos) ou 10 vezes o valor repassado ilegalmente, o que for maior, sem suspender a execução do contrato. A multa deverá ser revertida para financiamento de ações de educação para cidadania.

A distribuição do fundo partidário, dos recursos do financiamento público de campanhas, do horário partidário e de propaganda eleitoral gratuita em rádio e TV entre os partidos, levará em conta os seguintes critérios, que deverão ter igual peso: (1) número de filiados/as do partido; (2) número de diretórios municipais e estaduais, e não comissões provisórias; (3) soma dos votos recebidos pelos partidos no plano nacional, estadual/distrital e municipal e (4) grau de inclusão de segmentos sub-representados na política nas listas partidárias, ou seja, a garantia de alternância de sexo e da presença de pessoas da população negra, indígena, LGBTG, jovens, etc.

Obrigatoriedade de divulgar na internet todos os pagamentos efetuados pelos candidatos/partidos de forma detalhada, discriminando valor, data, hora, cidade, Unidade da Federação, CNPJ/CPF, nome/razão social do recebedor, finalidade, valor, nome do responsável pela autorização do gasto e pelo pagamento, recebimento do bem ou serviço.

j) Voto em listas partidárias transparentes com alternância de sexo

A adoção de listas partidárias preordenadas torna transparente para o/a eleitor/a em quem se está votando. No sistema atual, as/os eleitoras/os votam em determinadas/os candidatas/os e, na maioria das vezes, ajudam a eleger quem não querem, ou ainda, nem sabe para quem vai o voto. O atual sistema é menos transparente e favorece o personalismo e a competição interna em cada partido. A adoção da lista, na qual as/os eleitoras/os votam nos partidos e não em pessoas, é essencial para combater o personalismo, fortalecer e democratizar os partidos.

No entanto, a lista só significa avanço efetivo caso seja garantida a sua formação com alternância de sexo e observância de critérios étnico/raciais, geracionais, LGBT, etc (organizados/as nos partidos). Caso contrário, essas "minorias políticas” poderão ser incluídas ao final das listas e não conseguirão se eleger nunca, mantendo-se o mesmo perfil de eleitos que temos hoje.

Com a proposta, os/as eleitores/as não mais elegerão individualmente seus/suas candidatos/as, mas votarão em listas previamente ordenadas pelos partidos, definidas em prévias partidárias.

Fica vetada a elaboração das listas e a escolha das candidaturas majoritárias por outro mecanismo se não o das prévias partidárias. Na lista não podem existir candidaturas natas. O quorum mínimo para a validade da prévia é de 30% dos/as filiados/as, sob a fiscalização da Justiça Eleitoral.

A distribuição de cadeiras seria semelhante à que se processa hoje:

cada partido continuaria recebendo o número de lugares que lhe corresponde pela proporção de votos que obteve. Assim, se um partido tem direito a oito cadeiras, entram os/as oito primeiros/as colocados/as da lista.

l) Partidos devidamente constituídos para lançar candidaturas:

Só podem lançar candidatos/as e ter acesso ao fundo partidário, os partidos devidamente constituídos, não podendo ser provisórios. Isso vale para as instâncias municipais, distrital, estaduais e federal.

m) Criação de federações partidárias:

Possibilitar a criação de federações partidárias para as eleições proporcionais.

A federação permite que os partidos com maior afinidade ideológica e programática unam-se para atuar com uniformidade em todo o país. Funciona como uma forma de agremiação partidária.

A federação deve ser formada até quatro meses antes das eleições e deve durar pelo menos três anos, período em que os partidos federados deixarão de atuar, no parlamento, como partidos isolados e passarão a agir como se fossem um único partido.

A federação partidária termina com as atuais coligações onde um partido pode se coligar com outro só para o momento eleitoral e desfazer a união logo em seguida. É neste ponto que reside a força dos chamados partidos de aluguéis.

n) Proibição de disputar outro cargo eletivo durante vigência do mandato.

Defendemos que, assumido um mandato (no Executivo ou no Legislativo), os mandatários sejam proibidos de disputar novas eleições sem terminar os mandatos para o qual foram eleitos/as, a não ser que renunciem ao mandato. Por exemplo: um/a deputado/a eleito/a, para se candidatar a prefeito, terá que renunciar ao mandato de deputado. Em caso de a disputa ser para o mesmo cargo, defendemos que não é necessária a renúncia.

o) Proibição de assumir cargo no Executivo tendo mandato

Defendemos, também, que alguém que tenha sido eleito parlamentar não assuma cargos no Executivo no período do seu mandato, a não ser que renuncie.

p) Domicílio eleitoral

• Limitação do domicílio eleitoral ao local onde a pessoa nasceu ou onde reside efetivamente. Hoje a facilidade de escolha da cidade em que se quer votar favorece as migrações de grande blocos de eleitores por motivos mercenários.

• Publicação semanal das despesas de campanha eleitoral na web em sítio próprio da Justiça Eleitoral. As movimentações financeiras só podem ser efetuadas por meios eletrônicos.

• Publicação das fichas dos candidatos (majoritários e membros de listas) pela Justiça Eleitoral com as eventuais referências a pendências judiciais.

• Para o registro das candidaturas, a Justiça Eleitoral deve seguir as mesmas categorias usadas pelo IBGE no censo.


Propostas de democratização dos partidos

a) As contas partidárias devem ser publicadas de forma pormenorizada na internet a cada mês.

b) As movimentações financeiras dos partidos só podem ser realizadas por meio eletrônico (cartões de débito ou crédito ou transferência bancária).

c) Os partidos só podem ser financiados por recursos do fundo partidário e contribuições de seus/as filiados/as. As convenções partidárias definem o patamar máximo de contribuição dos/as filiados/as, sendo esta decisão tornada pública.Previsão de cancelamento, temporário ou definitivo, do partido que desrespeitar a norma. Neste período fica sem acesso ao fundo partidário.

d) Intervenção: só pode ocorrer em caso de prática de ações ilícitas, má gestão ou realização de alianças fora da política definida pelo partido.

e) Aumento do prazo de filiação para a candidatura (2 anos para a primeira filiação, mantida a possibilidade de candidatura dos já filiados). Os integrantes do Poder Judiciário, também, sejam sujeitos a essas normas.

f) Infrações administrativas que impedem a participação em órgãos de direção partidária por oito anos:

1) desvio dos recursos partidários para fins diversos dos previstos em lei;

2) utilização de valores pertencentes ao partido para o financiamento de campanhas;

3) captação ilícita de sufrágio na realização de qualquer votação do partido;

4) fraude ou coação nos processos eleitorais internos, sendo irrelevante o alcance do resultado pretendido.

g) Destinação do tempo de propaganda partidária para ações afirmativas, pelo menos 30% do tempo de propaganda partidária gratuita na mídia seja para a promoção da participação política das mulheres, afro-descendentes, indígenas, pessoas LGBT, jovens e pessoas com deficiência. Esta ação procura promover uma nova cultura política e combater todas as formas de discriminações e preconceitos na política.

h) Destinação de pelo menos 30% dos recursos do fundo partidário para a formação política e ações afirmativas das instâncias de mulheres afrodescedentes, indígenas, pessoas LGBT, jovens e pessoas com deficiência (organizados/as nos partidos) para promoverem ações voltadas ao fortalecimento e ampliação da participação desses sujeitos na política.

i) Concessão de legitimidade ao Ministério Público, organizações da sociedade civil e demais partidos para questionar no Judiciário ilegalidades praticadas pelos partidos políticos.


V – Controle social do processo eleitoral

a) Capacidade postulatória: A capacidade postulatória deve ser estendida ao eleitor(a) que como cidadão(ã) pode ter interesse na apuração de fatos ou ação que possa ter omissão dos partidos e candidatos por conveniências políticas ou omissão do Ministério Público.

b) Criação de Conselhos da Justiça Eleitoral, encarregados de promover ações de educação para a cidadania, atuar como ouvidoria, dar cumprimento ao art. 26-B, parágrafo segundo, da Lei da Ficha Limpa, que determina a formação de uma rede institucional para assegurar a apuração dos delitos eleitorais. Composto por representantes da Justiça Eleitoral, Ministério Público, instituições da área de controle oficial e sociedade civil.

c) Criar, com participação da sociedade civil, o Conselho Nacional de Regulamentação e fiscalização do Processo Eleitoral.

d) Criar a ação civil pública eleitoral para a apuração de lesões aos direitos difusos dos cidadãos, tais como propaganda feita de forma preconceituosa em relação a determinados grupos sociais, excessivamente ruidosa ou poluidora, autorizando-se a celebração de termos de ajustamento de conduta.

e) Os nomes dos pretendentes a membros dos tribunais eleitorais devem ser divulgados na internet com o currículo completo e procedimento de consulta pública.

f) São impedidos de participar dos tribunais eleitorais, os que ocuparam cargo nos órgãos de representação partidária, foram candidatos ou exerceram cargos de confiança nos últimos oito anos, bem como os que incidem em qualquer dos critérios da Lei da Ficha Limpa ou são parentes de mandatários.

g) Depois de deixar o tribunal, seu ex-integrante só poderá advogar perante a mesma corte após uma quarentena de quatro anos.

h) Conferir à Justiça Eleitoral o acesso às informações fiscais e à movimentação financeira do/a candidato/a, mediante repasse de Declaração de Imposto de Renda da pessoa física (DIRPF) e da Declaração de Movimentação Financeira (DIMOF), nos últimos cinco anos calendário antes da posse, bem como, se eleito, durante o período em que durar o mandato, assim como os cinco exercícios posteriores ao mandato.

 VI- Apoio a projetos que tramitam no Congresso

Quem assinar a Iniciativa Popular também está assinando o apoio a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite a revogação dos mandatos (recall) pela população e a proposta de Lei de Responsabilidade Fiscal e Social.

Hoje só é possível cassar mandatos e quem pode fazer isso é o próprio Congresso ou a Justiça. Quem elege não tem este poder. A PEC que está em tramitação no Congresso, com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), possibilita que o/a próprio/a eleitor/a possa revogar o mandato, portanto dizendo, "este nosso representante não nos representa mais. Este poder o/a eleitor/a tem que ter num país democrático.

O Fórum Brasil do Orçamento (FBO) apresentou ao Parlamento uma proposta de Lei que modifica a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) A LRF estabelece metas fiscais que os governos devem cumprir. A proposta do FBO inclui, em pé de igualdade, metas sociais que todos os governos devem cumprir. Cria também todo um sistema de monitoramento das metas sociais com a participação da sociedade. O número do projeto é PLP 264-2007